Como nos tornamos fogo,
Escravos de um pequeno desejo?
Moonspell – How we became fire?
As chamas consumiam os últimos fios do seu cabelo.
Como foi que me perdi do caminho escolhido, só por ver em sua boca a promessa de algo mais?
Em que momento a sua presença tornou-se mais importante do que qualquer coisa?
Em que encruzilhada do destino vislumbrei o seu cabelo ígneo?
No meu estúdio alquímico, ao conjurar demônios, atravessei os limites do Plano flamejante onde morava. Declarou ser Salamandra, rainha do Fogo e dos seus domínios. Eu amei-a mesmo assim.
De início, fez-me promessas e aumentou meu conhecimento. Mas você era apenas um espectro de chamas nas sombras do meu feitiço de invocação.
Com o tempo, encantei-me. Pelos seus olhos de fogo, os cabelos como o cobre, a voz que queimava minha alma. Sua visão brilhava em meus sonhos, perseguia-me enquanto estava acordado. Humana que sou, sequer tentei resistir, nem pensei sequer em forçar-me a desvanecer sua figura. Ao contrário, joguei meu espírito em suas chamas.
Queria mais, desejava possuir o corpo que não existia. Pois incorporal e etérea, você era Salamandra, rainha e espírito do Fogo.
Dediquei meus estudos, meu tempo, minha riqueza a um único objetivo, abraçar seu corpo e consumir meu desejo pela carne quente. Antes, deveria criá-la, fazer a essência imaterial passar dos planos elementais e tornar-se matéria.
Dias, meses, anos. Consumi minha vida na vontade insana de saciar minha vontade.
Não foi em vão.
Em noite de chuva opressora e calor sufocante, moldei as formas no barro, fiz os encantamentos devidos. Convoquei-a, minha senhora, e fiz a proposta. Seu sorriso faiscou em resposta. Porém, antes de me deixar começar, recebi a advertência. Sua estada neste plano seria curta e em seis meses, deixaria de ser barro e retornaria ao fogo, sua casa e essência.
Vivi esses dias imerso no queimar da matéria que fiz para ti. O desejo ardia nos dois, tornando-nos escravos e senhores um do outro.
Hoje, o prazo findou-se. O último beijo ainda estava quente nos meus lábios, meus braços guardavam a sensação do seu calor. Vi a frágil existência que eu criara sendo consumida pelas chamas que lhe reclamavam.
As chamas consumiam os últimos fios do seu cabelo.
Como foi que me perdi do caminho escolhido, só por ver em sua boca a promessa de algo mais?
Em que momento a sua presença tornou-se mais importante do que qualquer coisa?
No meio do meu estúdio, o fogo era glorioso, com seu rosto refletido. Dei os passos necessários, e novamente nos abraçamos.
Mas já não era a essência do fogo que se fazia carne. Era meu corpo que se entregava às chamas.
Foi assim que nos tornamos Fogo.